Altamiro Borges em seu blog
A
Suprema Corte da Argentina declarou na terça-feira, dia 29, a
constitucionalidade de quatro artigos da Ley de Medios que eram
contestados pelo Grupo Clarín. Com esta decisão histórica, o governo de
Cristina Kirchner poderá finalmente prosseguir com a aplicação integral
da nova legislação, considerada uma das mais avançadas do mundo no
processo de democratização da comunicação. A decisão representa um
duríssimo golpe nos monopólios midiáticos não apenas na vizinha
Argentina. Tanto que a TV Globo dedicou vários minutos do seu Jornal
Nacional para atacar a nova lei.
Pelas
regras agora aprovadas pela Suprema Corte, os grupos monopolistas do
setor serão obrigados a vender parte dos seus ativos com o objetivo
expresso de “evitar a concentração da mídia” na Argentina. O império
mais atingido é o do Clarín, maior holding multimídia do país, que terá
de ceder, transferir ou vender de 150 a 200 outorgas de rádio e
televisão, além dos edifícios e equipamentos onde estão as suas
emissoras. A batalha pela constitucionalidade dos quatro artigos durou
quatro anos e agitou a sociedade argentina. O Clarín – que cresceu
durante a ditadura militar – agora não tem mais como apelar.
O
discurso raivoso da TV Globo e de outros impérios midiáticos do Brasil e
do mundo é de que a Ley de Medios é autoritária e fere a liberdade de
expressão. Basta uma leitura honesta dos 166 artigos da nova lei para
demonstrar exatamente o contrário. O próprio Relator Especial sobre
Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La
Rue, já reconheceu que a nova legislação é uma das mais avançadas do
planeta e visa garantir exatamente a verdadeira liberdade de expressão,
que não se confunde com a liberdade dos monopólios midiáticos.
Aprovada
por ampla maioria no Congresso Nacional e sancionada pela presidenta
Cristina Kirchner em outubro de 2009, a nova lei substitui o decreto-lei
da ditadura militar. Seu processo de elaboração envolveu vários setores
da sociedade – academia, sindicatos, movimentos sociais e empresários.
Após a primeira versão, ela recebeu mais de duzentas emendas
parlamentares.
No processo de pressão que agitou a Argentina, milhares
de pessoas saíram às ruas para exigir a democratização dos meios de
comunicação. A passeata final em Buenos Aires contou com mais de 50 mil
participantes.
Em
breve será lançado um livro organizado pelo professor Venício Lima que
apresenta a tradução na íntegra da Ley de Medios, além dos relatórios
Leveson (Reino Unido) e da União Europeia sobre o tema. A obra é uma
iniciativa conjunta das fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois e do
Centro de Estudos Barão de Itararé e visa ajudar na reflexão sobre este
assunto estratégico no Brasil – hoje a “vanguarda do atraso” no
enfrentamento da ditadura midiática. Reproduzo abaixo os quatro artigos
agora declarados constitucionais pela Suprema Corte. A tradução é de
Eugênio Rezende de Carvalho:
***
Artigo
41. – Transferência das concessões. As autorizações e concessões de
serviços de comunicação audiovisual são intransferíveis. Será
autorizada a transferência de ações ou cotas das concessões assim que
tenham transcorrido cinco (5) anos do prazo de concessão e quando tal
operação seja necessária para a continuidade do serviço, respeitando a
manutenção, pelos titulares de origem, de mais de cinquenta por cento
(50%) do capital subscrito ou por subscrever, e que este represente mais
de cinquenta por cento (50%) da vontade social. Tal transferência
estará sujeita à análise prévia da autoridade de execução, que deverá
expedir parecer fundamentado sobre a autorização ou a rejeição do pedido
de transferência, tendo em vista o cumprimento dos requisitos
solicitados para sua adjudicação e a manutenção das condições que a
motivaram.
A
realização de transferências sem a correspondente e prévia aprovação
será punida com o vencimento de pleno direito da concessão adjudicada e
será nula, de nulidade absoluta.
Pessoas
de existência jurídica sem fins lucrativos. As licenças concedidas a
prestadores de gestão privada, sem fins lucrativos, são intransferíveis.
[...]
Artigo
45. – Multiplicidade de concessões. A fim de garantir os princípios da
diversidade, pluralidade e respeito pelo que é local, ficam
estabelecidas limitações à concentração de concessões.
Nesse
sentido, uma pessoa de existência física ou jurídica poderá ser titular
ou ter participação em sociedades titulares de concessões de serviços
de radiodifusão, de acordo com os seguintes limites:
No âmbito nacional:
a)
Uma (1) concessão de serviços de comunicação audiovisual sobre suporte
de satélite. A titularidade de uma concessão de serviços de comunicação
audiovisual via satélite por assinatura exclui a possibilidade de
titularidade de qualquer outro tipo de concessão de serviços de
comunicação audiovisual;
b)
Até dez (10) concessões de serviços de comunicação audiovisual mais a
titularidade do registro de um sinal de conteúdo, quando se trate de
serviços de radiodifusão sonora, de radiodifusão televisiva aberta e de
radiodifusão televisiva por assinatura com uso de espectro
radioelétrico;
c)
Até vinte e quatro (24) concessões, sem prejuízo das obrigações
decorrentes de cada concessão outorgada, quando se trate de concessões
para a exploração de serviços de radiodifusão por assinatura com vínculo
físico em diferentes localidades. A autoridade de execução determinará
os alcances territoriais e de população das concessões.
A
multiplicidade de concessões – em nível nacional e para todos os
serviços –, em nenhuma hipótese, poderá implicar na possibilidade de se
prestar serviços a mais de trinta e cinco por cento (35%) do total
nacional de habitantes ou de assinantes dos serviços referidos neste
artigo, conforme o caso.
No âmbito local:
a) Até uma (1) concessão de radiodifusão sonora por modulação de amplitude (AM);
b)
Uma (1) concessão de radiodifusão sonora por modulação de frequência
(FM) ou até duas (2) concessões quando existam mais de oito (8)
concessões na área primária do serviço;
c)
Até uma (1) concessão de radiodifusão televisiva por assinatura, sempre
que o solicitante não seja titular de uma concessão de televisão
aberta;
d)
Até uma (1) concessão de radiodifusão televisiva aberta sempre que o
solicitante não seja titular de uma concessão de televisão por
assinatura;
Em
nenhuma hipótese, a soma do total das concessões outorgadas na mesma
área primária de serviço ou o conjunto delas que se sobreponham de modo
majoritário, poderá exceder a quantidade de três (3) concessões.
Sinais:
A titularidade de registros de sinais deverá se conformar às seguintes regras:
a)
Para os prestadores designados no item 1, subitem “b”, será permitida a
titularidade do registro de um (1) sinal de serviços audiovisuais;
b)
Os prestadores de serviços de televisão por assinatura não poderão ser
titulares de registro de sinais, com exceção de sinal de geração
própria.
Quando
o titular de um serviço solicite a adjudicação de outra concessão na
mesma área ou em uma área adjacente com ampla superposição, ela não
poderá ser concedida se o serviço solicitado utilizar uma única
frequência disponível na referida zona.
[...]
Artigo
48. – Práticas de concentração indevida. Antes da adjudicação de
concessões ou da autorização para a cessão de ações ou cotas, deverá ser
verificada a existência de vínculos societários que revelem processos
de integração vertical ou horizontal de atividades ligadas, ou não, à
comunicação social.
O
regime de multiplicidade de concessões previsto nesta lei não poderá
ser invocado como direito adquirido frente às normas gerais que, em
matéria de desregulamentação, desmonopolização ou de defesa da
concorrência, sejam estabelecidas pela presente lei ou que venham a ser
estabelecidas no futuro.
Considera-se
incompatível a titularidade de concessões de distintas classes de
serviços entre si quando não cumpram os limites estabelecidos nos
artigos 45, 46 e complementares.
[...]
Artigo
161. – Adequação. Os titulares de concessões dos serviços e registros
regulados por esta lei, que até o momento de sua sanção não reúnam ou
não cumpram os requisitos previstos por ela; ou as pessoas jurídicas
que, no momento de entrada em vigor desta lei sejam titulares de uma
quantidade maior de concessões, ou com uma composição societária
diferente da permitida, deverão ajustar-se às disposições da presente
lei num prazo não maior do que um (1) ano, desde que a autoridade de
execução estabeleça os mecanismos de transição. Vencido tal prazo, serão
aplicáveis as medidas que correspondam ao descumprimento, em cada caso.
Apenas
para efeito da adequação prevista neste artigo, será permitida a
transferência de concessões. Será aplicável o disposto pelo último
parágrafo do Artigo 41.