Por
Fernando Brito · 12/06/2017
Luciano Coutinho, presidente do BNDES nos governos Lula e Dilma,
mostra com números que o financiamento com compra de participação
acionária que permitiram a expansão da JBS não apenas foram negócios
regulares como deram ao banco lucros de cerca de R$ 3 bilhões.
Leia o artigo que ele publicou no Valor:
A instabilidade política provocada
pelas delações da JBS colocou em foco a atuação do BNDES e de sua
subsidiária de participações acionárias, a BNDESPar, durante minha
gestão.
Devemos distinguir o debate
substantivo quanto ao papel a ser desempenhado por um banco de
desenvolvimento da ação oportunista dos que lançam dúvidas sobre a
lisura do BNDES para desconstruí-lo.
Por isso, mais uma vez, devo deixar
claro que nos nove anos em que estive à frente do BNDES fui testemunha
de processos marcados por rigor técnico e impessoalidade.
Tive o
privilégio de presidir uma instituição que, por lei, segue orientações
estratégicas de governos, mas faz isso com base em sólida governança,
decisões colegiadas, excelência profissional, efetividade e
transparência. Seu corpo técnico é íntegro e exemplar. As operações de
participação acionária da BNDESPar, incluindo as da JBS, seguiram os
procedimentos devidos, sem ingerências externas.
Com mais de 40 anos, a BNDESPar não é
uma jabuticaba. Banco Mundial, BID e países como Alemanha, Japão,
França, Itália, Coreia e China têm empresas similares de participação
acionária. A missão dessas, em geral, é capitalizar empresas nacionais,
fortalecer o mercado de capitais e administrar carteiras de valores
mobiliários com perspectiva de longo prazo.
De 2007 a 2014 a BNDESPar gerou R$
23,8 bilhões de lucro para o BNDES. Em 2015, por conta da forte queda
dos preços do petróleo, seguiu as normas de prudência contábil e
reavaliou as ações da Petrobras, implicando resultado negativo de R$ 7,6
bilhões.
Ainda assim, de 2007 a 2015 acumulou lucros de R$ 16,2
bilhões. Ao seguir à risca as regras de mercado, a BNDESPar precifica
sua carteira de forma conservadora, sem inflar resultados.
Relevante registrar que a BNDESPar
não dependeu de aportes do Tesouro. Ao contrário, entre 2007 e 2015
gerou caixa líquido de R$ 23,2 bilhões para o Sistema BNDES. Seus
recursos próprios foram e têm sido aplicados a custo de mercado, sendo
inteiramente falsa a versão repetida por críticos de que operou a “preço
subsidiado” ou “custo zero” para sócios de empresas investidas.
Não é verdade que a BNDESPar não
recicla sua carteira. Ela vende com lucro e faz caixa para reinvestir.
Entre 2007 e 2015 vendeu nada menos que R$ 42,2 bilhões. Precifica os
investimentos (isto é, calcula o valor justo de ativos) usando
metodologia consagrada pela teoria financeira, com critérios, parâmetros
e taxas de desconto rotineiramente praticados pelo mercado.
Em 2016, a BNDESPar tinha
investimentos em 23 setores e mais de 280 empresas (diretamente ou via
fundos). A diversificação permite diluir riscos de um investimento
específico e analisar o desempenho sob a ótica de carteira, não
isoladamente. O BNDES também tem sido fundamental para o desenvolvimento
da indústria de fundos.
Além de ter promovido o private equity, a
BNDESPar foi pioneira no apoio a startups por meio dos fundos de capital
semente (Criatecs), assim como fomentou os de venture capital. Ao fim
de 2015, tinha 40 fundos em carteira, com 145 empresas investidas.
Ações da JBS não deram prejuízo, mas retorno expressivo ao banco, que financiou 1,7 mil empresas do setor.
Em relação à JBS, conforme as últimas
demonstrações financeiras disponíveis, a lucratividade das operações
para a BNDESPar estava em cerca de R$ 3 bilhões. Grosso modo, o valor
compara os R$ 8,1 bilhões investidos (R$ 5,6 bilhões em JBS e R$ 2,5
bilhões em Bertin) com: R$ 457 milhões recebidos a título de dividendos,
R$ 521 milhões de prêmio de debêntures, R$ 4 bilhões das vendas de
ações realizadas e o valor das ações em carteira no total de R$ 6
bilhões (21,3% do capital da JBS) em 31/03/2017. Outra informação
importante: embora expressivo, o valor de R$ 8,1 bilhões representou 2%
dos desembolsos do banco entre 2007 e 2010, mesmo período do apoio à
empresa.
Críticos do investimento na JBS
omitem o fato de que a grande maioria das operações contou com recursos
privados, e que em sua expansão a companhia valeu-se de expressivos
financiamentos de bancos comerciais e emissão de títulos de dívida no
mercado internacional.
Há, ainda, a alegação incorreta de
que o banco concentrou seu apoio a frigoríficos na JBS, em detrimento
dos pequenos.
A verdade é que entre 2005 e 2017, os desembolsos do BNDES
para empresas e cooperativas do setor de abate e fabricação de produtos
de carne atingiram R$ 17,1 bilhões, a mais de 1.700 tomadores.
Recapitulando: diferentemente do que
vem sendo dito, o BNDES não usou recursos subsidiados nas operações de
participação acionária na JBS; estas não deram prejuízo, mas retorno
expressivo; o apoio somou valor relevante, mas proporcionalmente pequeno
em relação ao conjunto das operações; o BNDES atendeu não só a JBS, mas
a milhares de companhias de todos os portes, com um volume de recursos
superior ao destinado àquela empresa.
Infelizmente, informações distorcidas
tentam amparar a tese de que o BNDES não deve atuar em renda variável.
Mas não há dúvida de que essa atuação é desejável.
Isso porque diversos
projetos têm riscos que exigem o reforço do capital, impondo limites
mais rígidos de alavancagem, ou seja, de financiamento via empréstimos.
Ser acionista possibilita ter, como contrapartida ao risco, participação
nos lucros e ganhos com a valorização da empresa, em vez de apenas os
juros cobrados.
Entre 2008 e 2011 esteve em vigor a
Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que identificou
oportunidades de internacionalização em setores competitivos. Naquele
momento, as commodities estavam em alta, o real valorizado e o valor de
empresas estrangeiras depreciado pela crise.
Foi nesse contexto que se
intensificou a atuação do BNDES no setor de carnes, o que já ocorria
desde os anos de 1990.
A internacionalização de grupos nacionais era
objetivo desafiador: visava criar novos espaços de lucratividade, expor
os grupos à competição internacional e desenvolver atividades mais
nobres e complexas
(inovação, logística, marketing etc).
Também não se pode esquecer a atuação
do BNDES/BNDESPar pós-crise financeira internacional: a ação de apoio a
empresas golpeadas por prejuízos violentos oriundos de operações com
derivativos cambiais.
Junto com o mercado de capitais e bancos
comerciais, o BNDES estruturou saídas para que as operações das
companhias se mantivessem. Não houve escolha voluntariosa de “campeões”,
mas ação coordenada e bem-sucedida com o sistema financeiro privado
para debelar a crise através de consolidações.
Em resumo, é necessário olhar com
objetividade para os resultados do BNDES em renda variável. Também é
preciso cautela e, sobretudo, justiça. Não podemos permitir que o BNDES
seja injustamente acusado por erros que não cometeu e nem que ataques
oportunistas logrem enfraquecer e mutilar a instituição.
Luciano Coutinho, economista, é
professor convidado do Instituto de Economia da Unicamp e presidente do
BNDES entre 2007-2016. Publicado originalmente hoje, no Valor Econômico.